O discurso ambiental proferido pela academia, por empresas, por ONGs e entidades governamentais torna-se cada vez mais distante do rumo sugerido pela bióloga americana Rachel Carson, que nos anos 50 do século XX publicou, entre outras obras, um estudo realizado sobre o uso de pesticidas na agricultura. especificamente o DDT. A obra, intitulada SiIent Spring (Primavera Silenciosa. em português), foi um marco na história do movimento em defesa do meio ambiente.
Carson, que pesquisou os efeitos nocivos dos novos pesticidas desenvolvidos pela indústria química, concluiu que o veneno não exterminava apenas algumas pragas que atacavam as lavouras, mas também outros seres importantes ao ciclo vital. Com o resultado das pesquisas sistematizado, dedicou-se a redação do livro. Buscou. sem sucesso, apoio entre parlamentares e imprensa para fazer a denúncia: a imprensa a dependia dos anúncios publicitários para manter seus negócios e os parlamentares, das doações dessa mesma indústria para bancar suas campanhas políticas.
No inicio dos anos 60 consegue publicar seu trabalho e muda, de forma surpreendente, a breve história do movimento ambientalista.
A defesa do meio ambiente assume contornos de movimento organizado e científico, a evoluir e criar literatura própria, fundamentação histórica e filosófica. Um novo pensar da humanidade passa a assombrar os que detêm os meios de produção e tudo o mais que importe no controle da sociedade, o ecocentrismo. Pensamento que recoloca o homem no mesmo plano de outros elementos vivos, de modo que qualquer ação de subsistência considere a possibilidade de reposição espontânea da natureza e o pleno respeito pela vida animal.
Tal filosofia contraria o pensamento antropocêntrico da humanidade, ameaçado apenas no período pré-socrático, quando os deuses estavam em todas as coisas e a relação de respeito do homem com o meio natural era exigível por força de fé e temor.
Antropocentrismo é a expressão que define o homem como centro do universo condição reforçada pela cultura judaico cristã, para a qual tudo existe para satisfazer as necessidades e desejos do homem. Da natureza tudo pode retirar, a ele é dado o direito de sacrificar outras criaturas para saciar seu apetite. Como criatura de Deus, sua imagem e semelhança, tudo é possível na relação com o meio.
Essa permissão “sagrada”, dada por ele mesmo para satisfazer a si próprio deixa vítimas até mesmo entre seres da própria espécie. Se a permissão é dada à todos, por que poucos se beneficiam?
Milhões de homens, mulheres e crianças morrem de fome, sede, frio ou calor. Milhões não possuem sequer o pedaço de chão que ocupam com seu corpo ou uma parcela mínima de solo fértil para produzir o mínimo necessário para alimentar-se. Semelhante ao que faz com o gado. o homem de poder aprisiona seres da própria espécie entre linhas imaginárias e as batiza de ‘cidades”.
Tal como na Síndrome de Escafandro, doença que afeta o sistema muscular, inibindo todo e qualquer movimento do corpo humano, o homem tornou-se prisioneiro de seu próprio saber. Domesticando as plantas. deixa de ir e vir: criando deuses,deixa de crer em si mesmo; com a roda, esquece de suas próprias pernas; e inventando máquinas, perde habilidades e destreza.
Nossa condição atual é determinada pelo modo como pensamos.
A constatação de que os benefícios da evolução humana não alcançam a todos os sujeitos sociais é prova inequívoca da perversidade desse pensamento filosófico. Nesse momento histórico de acúmulo de riquezas nas mãos de poucos e invisíveis indivíduos que subjugam seus semelhantes, como antes o homem fizera com as plantas, observamos multidões sem saber para onde ir. Essa dominação faz o homem crer que não pode recorrer autonomamente à natureza para alimentar-se, saciar sua sede e construir seu lar. Uma clara contradição do deteminismo antropocêntrico de milhares de anos.
Esse homem atual perambula pelo concreto das cidades modernas corno nico lugar possível para viver, e prossegue assim sua trajetória. sem que as tais “permissões” garantam seu direito natural tão mal tratado, também, por Maquiavel, Hobbes e Locke.
Sobre o ecocentrismo, podemos afirmar que enfrenta uma difícil disputa com o pensar vigente. A mudança do eixo de pensamento da humanidade não implica, necessariamente, num homem agnóstico. Existir em harmonia com outros elementos do universo representa o verdadeiro sentido da vida. Ter fé é respeitar os direitos naturais do próximo, seja ele humano ou outras formas de vida. Tratar o planeta de modo que a vida possa se perpetuar é a lição deixada por muitos filósofos, e que os homens apenas repetem como papagaios, mas não a praticam. Evoluímos tecnologicamente, mas continuamos presos, intelectualmente, ao passado. Entendemos como absolutas e inquestionáveis as palavras de bondade dos seres imaginários que povoam nossas mentes, mas praticamos verdadeiras atrocidades contra aqueles que conosco compartilham o espaço. Execramos um novo pensar, temendo que nele Deus não esteja presente, mas, inexplicavelmente, continuamos negando suas palavras e ensinamentos nos atos que praticamos.

Texto e fotos: Léo Urbini
Publicado na revista ZN
leourbini@yahoo.com.br
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